sábado, 20 de dezembro de 2008

Será que a arte resiste a alguma coisa?

Um texto de Jacques Rancière, traduzido por Mónica Costa Netto...


O título da minha comunicação expressa uma dúvida quanto à boa maneira de formular o problema que nos reuniu aqui com o tema “Arte e resistência”. A dificuldade que este tema implica é simples de ser formulada: a junção dessas duas palavras faz imediatamente sentido. Mas isso ocorre no mundo da opinião. Em tal mundo, admite-se que a arte resiste e que ela o faz de modos diversos que convergem num poder único. Por um lado, a consistência da obra resiste à usura do tempo; por outro, o ato que a produziu, resiste à determinação do conceito. Supõe-se que quem resiste ao tempo e ao conceito naturalmente resiste aos poderes. O clichê do artista livre e rebelde é uma ilustração fácil e corriqueira dessa lógica da opinião. O sucesso da palavra “resistência” depende, portanto, de duas propriedades. Dessas duas propriedades, isto é, por uma parte, do potencial homonímico da palavra, o qual permite que se construa uma analogia entre a resistência passiva da pedra e a oposição ativa dos homens. Por outra parte, da conotação positiva que ela conservou em meio a tantas palavras que caíram em desuso ou sob suspeita: comunidade, revolta, revolução, proletariado, classes, emancipação, etc. Já não é visto com bons olhos querer mudar o mundo para torná-lo mais justo. Mas, precisamente, a homonimia léxica da “resistência” é também uma ambivalência prática: resistir é assumir a postura de quem se opõe à ordem das coisas, rejeitando ao mesmo tempo o risco de subverter essa ordem. E sabe-se que, hoje em dia, a postura heróica daquele que “resiste” à corrente democrática, comunicacional e publicitária se acomoda de bom grado à deferência no que tange as dominações e explorações em vigor. Conhecemos, de resto, a dupla dependência da arte em relação aos mercados e aos poderes públicos e sabemos que os artistas não são nem mais nem menos rebeldes que as demais categorias da população...

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